Entrevista: Júlio Emílio Braz

 

Júlio Emílio Braz é um escritor e roteirista brasileiro com mais de 400 livros publicados, iniciou a carreira em 1980 na revista Spektro da Vecchi, editada pelo Ota Assunção, além disso, publicou na Europa através da agência belga, escreveu 412 livros de bolso de faroeste com mais 39 pseudônimos distintos, foi roteirista do humorístico Os Trapalhões, no final dos anos 80, se tornou também um escritor de livros infanto-juvenis.



1 - Quais são as suas influências (quadrinhos e livros)?

 

Minhas maiores influências em termos de quadrinhos foram os grandes roteiristas da revista Kripta, que até hoje me encantam com seus textos (tenho a coleção completa). Também desde criança era apaixonado pela série Além da Imaginação e seu criador, Rod Serling.


Também tenho várias temporadas que revejo de tempos em tempos. No caso dos livros, minhas influências são mais diversificadas, desde meus autores da infância, como Orígenes Lessa e Malba Tahan, chegando a adolescência com Conan Doyle, Alexandre Dumas Pai, Jules Verne e Robert Louis Stevenson. No Pós-Adolescência fui seduzido por Lima Barreto, Poe, Lovercraft, Steinbeck, H.G.Wells, Raymond Chandler, Chester Hines, entre outros.


2 - Como surgiu a oportunidade de publicar pela Commu  (agência belga que publicou brasileiros no mercado europeu)?

 Foi a coisa mais estranha que já me aconteceu: um dia eu estava em casa e bate na minha porta (meados dos anos 80) um sujeito chamado Piet de Lombaerde. Ele se apresenta e diz que era sobrinho-neto do Padre Júlio Maria, fundador da Ordem dos Sacramentinos. Em minha cidade em Minas, Manhumirim, havia um seminário sacramentino e o próprio padre morou lá até 1946, quando morreu em um acidente automobilístico. Meu nome era em homenagem ao padre (o nome dele era Jules Emile) e conversa vai, conversa vem, e ele disse que era agente e buscava material de quadrinhos. Pediu minha ajuda para contactar outros quadrinhistas e acabei virando representante informal dele e recolhendo o material para enviar a ele. Foi uma boa experiência, mas começou a não funcionar quando fui participar de uma feira na cidade dele e descobri conversando com um dos editores, que recebíamos bem menos do que era pago pelo trabalho lá na Bélgica. Acabei me afastando. Foi a partir daí que preferi me dedicar mais a literatura infantil e juvenil, pois nos livros eu dependia apenas de mim mesmo (como eu era uma espécie de representante da Commu, mas nunca fui remunerado por isso, só me cansando, muita gente começou a achar que eu estava ganhando dinheiro com o negócio e confesso que isso me magoou muito) e os ilustradores dos livros são escolhidos pela editora e não por mim.

Tamba ou Tambajá, publicado em parceria com Mozart Couto publicada em língua flamenga na revista belga Top Magazine, tendo sido publicada 4 álbuns, de acordo com Luigi Rocco, a tira também foi publicada no Brasil.

3 - Tendo escrito diversos gêneros (terror, faroeste, fantasia, ficção científica, etc), existe algum gênero que seja o seu favorito?

 Em termos literários, adoro a temática social, problemas do cotidiano das grandes cidades, mas adoro me desafiar, trafegando por todos os gêneros, até por não-ficção e poesia

4 - Dentre suas várias histórias de faroeste publicadas em livros de bolso, alguma chegou a ser adaptada para os quadrinhos?

 Não, mas das muitas que escrevi tem algumas que mereciam até virar filme, como Quapaw, Colinas de Sangue e Sangue Ruim, só para citar algumas que me vieram a mente neste momento. Mas fiz bang bang para os quadrinhos, a saber: Cyprus Hook, em parceria com o desenhista Antonino Homobono, publicados pela Editora Vecchi, que era um ex-soldado negro nos exércitos do Norte que deserta depois que mata seu oficial comandante, um racista; e Hopper, personagem criado por Mozart Couto, que era um jornalista em aventuras pelo Velho Oeste. Não sei quem publicou


Quapaw, capa de Antonino Homobono Baliero

Cyprus Hook, arte Ofeliano de Almeida


5 - Hakan só teve 3 histórias?

Só escrevi três roteiros de Hakan. Era muito legal, pois eu na mesma época, adorava Conan (tenho a coleção quase completa)




6 -.. Foi difícil fazer a transição para os livros infanto-juvenis?

Nem tanto. Foi até fácil. Meu grande amigo Roberto Kussumoto me apresentou a Lino de Albergaria, que era editor da Editora FTD, e ele me pediu que mandasse alguma coisa. Escrevi o livro SAGUAIRU, história de uma caçada no Pantanal. No entanto, quando enviei o texto, o Lino já não estava na FTD e a editora que o substituiu, Ione Meloni Nassar, não se interessou pelo original. Eu então fui mandando para várias editoras até que a Atual Editora topou publicar e para minha sorte, no ano seguinte, 1989, eu ganhei o Prêmio Jabuti de Autor Revelação com ele. Este prêmio me animou e a partir daquele ano resolvi me dedicar praticamente a literatura infanto-juvenil. Hoje tenho quase duzentos títulos publicados e mais três prêmios importantes, ganhos na Suíça, Áustria e Alemanha, com a tradução para o alemão de meu livro Crianças na Escuridão (FTD), lá intitulado Kinder im Dunkeln.




                                      

7 - Pesquisando sua bibliografia, achei os livros "O Herdeiro de Aranda" "Saguairu", poderia falar um pouco sobre eles?

Como disse, "Saguairu" foi meu primeiro infanto-juvenil publicado e em linhas gerais conta a história de Teonguera, um velho caçador indígena da tribo pareci que passa anos caçando um velho lobo guará chamado Saguairu através do Pantanal. No ano em que se passa minha história, ele vê Saguairu acompanhando por uma fêmea que está prenha. Ele a chama de Tataíra. Enquanto persegue o lobo, ele reflete sobre a sua própria condição de indígena e ao longo da história percebe que não mata o lobo, pois se o matar não terá mais um pretexto para se embrenhar na floresta, onde se sente novamente indígena (no mundo do homem branco, sente-se desprezado pelos próprios filhos que negam e sentem vergonha de ser indígena). No auge da história ele descobre, horrorizado, que não é mais um indígena (leia o capítulo intitulado Munusaua). Não vou dar spoiler do livro. Quanto ao "Herdeiro de Aranda", no momento ele está esgotado e distratado, e é uma adaptação de um conto de Hermann "Moby Dick" Melville de que gosto muito, "Benito Sereno". A história original se passa em meados do século XIX próximo a costa do Chile e ele é um adolescente que é encontrado em um navio a deriva e rodeado por um monte de negros. A tripulação do navio que os encontra desconfia e depois de algum tempo descobrem que o navio era um negreiro e estava transportando escravos para o Chile. Eles se rebelaram, mataram toda a tripulação do navio e deixaram apenas Benito Sereno vivo para atriar novos navios e atacá-los. Eu transformei a história em um texto de ficção científica, com os negros se transformando em robôs em uma nave a deriva no espaço. Como estávamos na época de Star Wars, eu planejava em adaptar várias histórias clássicas para livrosa que comporiam uma coleção que falava de uma grande guerra espacial em uma galáxia distante. Infelizmente, eu enveredei em outros projetos e ficou apenas neste livro. Mas ainda tenho os rascunhos de outros livros que envolveriam a adaptação de textos de uma galera bem talentosa como Robert Louis Stevenson, Conan Doyle e Edgar Allan Poe.

Capa de Herdeiro de Aranda pelo ilustrador Carlos Chagas, a influência de Star Wars é visível na retratação do protagonista, inspirado em Luke Skywalker (Mark Hamill)


8 -A editora Criativo acaba de lançar o álbum Primórdios, poderia falar sobre as histórias?

 "Primórdios" reúne várias histórias minhas do início de carreira, ilustradas por gente como Deodato Borges filho, o Mike Deodato, Mozart Couto, Seabra, Rodval, entre outros. Tem um editor do Paraná que já havia feito algo parecido com histórias minhas publicadas nas revistas da Editora D'Arte do saudoso Rodolfo Zalla e ano passado saiu um álbum dedicado ao trabalho do Júlio Shimamoto onde saíram belas histórias como "Sonho Mau" . Gostaria de reunir as várias histórias que escrevi para meu primeiro personagem, o zumbi "Jesuíno Boamorte", feitas em parceria com Zenival Ferraz e um monte de originais ainda originais (no início da minha carreira, o Rodolfo Zalla comprava muitos roteiros meus para me ajudar e acredito que muita coisa não foi ilustrada). Muita coisa que fiz para a Commu também estão inéditas, como "Os Cavaleiros do Estandarte Ardente", que fiz em parceria com o potiguar Márcio José Monteiro, e "Orinoco" (título pelo qual foi publicado na Bélgica e no original, "Aventureiros da Solidão"), que escrevi até o número três e foi ilustrado por Rodval Matias.


Álbum Primórdios, com uma reunião de seus trabalhos, como o caso da série Símio com Mozart Couto, uma narrativa de ficção pré-histórica,

Orinoco, parceria com Rodval Matias



9 - Há alguma possibilidade de voltar a publicar quadrinhos?

Se há a possibilidade de publicar quadrinhos? Sempre, É uma das minhas grandes paixões. Agora mesmo escrevi quatro histórias curtas para um editor que pretendia editar digitalmente, mas o sujeito sumiu e eu estava pensando em buscar alguma parceria para ilustrar as histórias e buscar algum editor. Também roteirizei "O Cortiço" de Aloísio Azevedo e estou em busca de um editor. Também aceito propostas e tenho projetos que gostaria de retomar, mas o mercado está meio fechado.

Um grande abraço,
Júlio Emílio Braz

 O Quadripop agradece a Júlio Emílio Braz pela entrevista.

Fontes e referências

Conheça o escritor Júlio Emílio Braz - Conhecimento Prático Literatura











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