Perseguição e censura aos quadrinhos no Brasil














Em 1938, um artigo publicado no jornal Correio Paulistano fazia críticas ao conteúdo consumido pelas crianças nos cinemas e nos quadrinhos, a série brasileira A Garra Cizenta de Francisco Armond e Renato Silva é mencionada.


Em 1948, o Diário de Notícias publicou um artigo de Fredric Wertham, "As histórias em quadrinhos...´Muito divertido!" (tradução de  “The Comics . . . Very funny!” da revista Saturday Review of Literature).





Nos anos 50, as críticas aos quadrinhos nos Estados Unidos, chegavam ao Brasil, em 6 de julho de 1951, o jornal Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda publicou a matéria "Os La Selva espalham o Terror Negro", uma alusão a revista de terror, nessa época, Lacerda lançou uma revista em quadrinhos, Bamba, com material da revista católica francesa Cœurs vaillants e algumas histórias produzidas por brasileiros, a revista não durou muito, sendo encerrada em 1953.





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Em crônica publicada em seu site, Maurício de Sousa disse que foi obrigado a queimar seu gibis, ele fez, mas queimou apenas os repetidos.






Fontes:Floreal Um anúncio em 1965…

Em setembro de 1954, a versão brasileira da revista Reader's Digest publicou um resumo do livro de  Fredric Wertham, Seduction of Innocent, livro que inspirou uma subcomissão do Senado e um código de auto-centura, mais detalhes nos links.








Em 1954, surge nos Estados Unidos, o Comics Code Authority, um código de autocensura criado pelas editoras DC e Archie, no mesmo ano, a EBAL cria seu próprio código no Brasil, os Mandamentos das histórias em quadrinhos, na década de 1960, as principais editoras brasileira: EBAL, Rio Gráfica Editora, Abril, Record e O Cruzeiro criaram o Código de Ética, cuja regras eram:

1 - As histórias em quadrinhos devem ser um instrumento de educação, formação moral, propaganda dos bons sentimentos e exaltação das virtudes sociais e individuais.

2 - Não devendo sobrecarregar a mente das crianças como se fossem um prolongamento do currículo escolar, elas devem, ao contrário, contribuir para a higiene mental e o divertimento dos leitores juvenis e infantis.

3 - É necessário o maior cuidado para evitar que as histórias em quadrinhos, descumprindo sua missão, influenciem perniciosamente a juventude ou dêem motivo a exageros da imaginação da infância e da juventude.

4 - As histórias em quadrinhos devem exaltar, sempre que possível, o papel dos pais e dos professores, jamais permitindo qualquer apresentação ridícula ou desprimorosa de uns ou de outro.

5 - Não é permissível o ataque ou a falta de respeito a qualquer religião ou raça.

6 - Os princípios democráticos e as autoridades constituidas devem ser prestigiadas, jamais sendo apresentados de maneira simpática ou lisonjeira os tiranos e inimigos do regime e da liberdade.

7 - A família não deve ser exposta a qualquer tratamento desrespeitoso, nem o divórcio apresentado como sendo uma solução para as dificuldades conjugais.

8 - Relações sexuais, cenas de amor excessivamente realistas, anormalidades sexuais, sedução e violência carnal não podem ser apresentadas nem sequer sugeridas.

9 - São proibidas pragas, obscenidades, pornografias, vulgaridades ou palavras e símbolos que adquiram sentido dúbio e inconfessável.

10- A gíria e as frases de uso popular devem ser usadas com moderação, preferindo-se sempre que possível a boa linguagem.

11- São inaceitáveis as ilustrações provocantes, entendendo-se como tais as que apresentam a nudez, as que exibem indecente ou desnecessariamente as partes íntimas ou as que retratam poses provocantes.

12- A menção dos defeitos físicos e das deformidades deverá ser evitada.

13- Em hipótese alguma na capa ou no texto, devem ser exploradas histórias de terror, pavor, horror, aventuras sinistras, com as suas cenas horripilantes, depravação, sofrimentos físicos, excessiva violência, sadismo e masoquismo.

14- As forças da lei e da justiça devem sempre triunfar sobre as do crime e da perversidade. O crime só poderá ser tratado quando for apresentado como atividade sórdida e indigna, e os criminosos sempre punidos pelos seus erros. Os criminosos não podem ser apresentados como tipos fascinantes ou simpáticos e muito menos pode ser emprestado qualquer heroísmo às suas ações.

15- As revistas infantis e juvenis só poderão instituir concursos premiando os leitores por seus méritos. Também não deverão as empresas signatárias deste Código editar para efeito de venda nas bancas, as chamadas figurinhas, objeto de um comércio nocivo à infância.

16- Serão proibidos todos os elementos e técnicas não especificamente mencionados aqui, mas contrários ao espírito e à intenção deste Código de Ética, e que são considerados violações do bom gosto e da decência.

17- Todas as normas aqui fixadas se impõem não apenas ao texto e aos desenhos das histórias em quadrinhos, mas também às capas das revistas.

18- As revistas infantis e juvenis que forem feitas de acordo com este Código de Ética levarão na Capa, em lugar bem visível, um selo indicativo de sua adesão a estes princípios.


Apesar disso, o código brasileiro não teve tanta adesão, ficando restrito a essas editoras, a La Selva publicava quadrinho americano e depois passou a encomendar material nacional, que seria continuada pela editora Continental/Outubro, publicando artistas como Zezo, Gedeone Malagola, os irmãos Luiz e Ivan Saidenberg, Eugênio Colonnese, Julio Shimamoto, Jayme Cortez, entre outros.

Em 1959, a revista Cômico Colegial (que publicava O Terror Negro) causou controvérsia por ter anúncios destinados aos adultos como "A Hora Sexual", mas detalhes em JusBrasil

Em vários lugares de São Paulo, um cartazes com os dizeres "Hoje mocinho, amanhã, bandido" eram distribuídos, a crítica era contra armas de brinquedo, mas também pode ser vista como ser contra os quadrinhos, já que mostra um garoto sendo uma revista, ao fundo, um pôster de um filme de faroeste, uma vez que os chamados filmes e seriados B do gênero faroeste exibidos nas matinês. eram muito populares entre as crianças. Ironicamente, o cartaz usa a linguagem dos quadrinhos:



Houve nesse período, um movimento de nacionalização dos quadrinhos, em 1961, durante o governo Jânio Quadros, um decreto-lei de cotas para quadrinhos brasileiros chegou a ser aprovado em 1963, durante do governo João Goulart (que assumiu após a renúncia de Jânio ainda em 1961).

O decreto-lei também tinham regras de censura:


     Art. 3º As histórias em quadrinhos, nacionais e estrangeiras não poderão conter narrativas de caráter obsceno nem encerrar abusos no exercício da liberdade de imprensa, aplicando-se aos jornais, revistas e quaisquer periódicos que publicarem histórias do gênero aqui previsto, ao disposições da Lei 2.083, de 13 de novembro de 1953, notadamente os arts. 53 e seguinte do citado diploma legal.


      Parágrafo único. Estão compreendidas nas restrições impostas na Lei e no presente artigo as narrativas ofensivas a quaisquer países, bem como as que sirvam à propaganda de guerra, propagação do racismo, e que contenham cenas de prostituição e sadismo.

Lei 2.083, de 13 de novembro de 1953 

Art 53. Não poderão ser impressos, nem expostos à venda ou importados, jornais ou quaisquer publicações periódicas de caráter obsceno, como tal declarados pelo Juiz de Menores, ou, na falta dêste, por qualquer outro magistrado.

Também em 1953, o deputado Aarão Steinbruch tentou um projeto de lei de censura.
O projeto dizia

Proíbe o registro e publicação de texto e desenhos de historias em quadrinhos que versarem sobre assuntos que não sejam, científicos, culturais, religiosos, históricos ou humorísticos e determina que essas historias tenham pelo menos cinquenta por cento de textos e e desenhos de autores nacionais ou estrangeiros, que tenham como único domicilio, o Brasil.

 O projeto tramitou, mas foi arquivado 20 anos depois.

PL 3813/1953


As principais editoras, RGE, Abril, Ebal e O Cruzeiro, impetraram um mandado de segurança contra a lei, alegando que o Estado não poderia interferir no mercado, com isso, a lei ficou suspensa, dois anos depois, ela perdeu o efeito lega.

Na década de 1950, Alcides Caminha produzia quadrinhos eróticos com o nome Carlos Zéfiro, esses minigibis receberam o nome de catecismos, de acordo com o jornalista Gonçalo Júnior, Alcides não foi o primeiro, nem o único autor,  mas foi o mais importante. Suas revistas eram distribuídas clandestinamente em bancas e serviram como uma espécie de manual sobre sexo para muitos adolescentes, sobretudo nos tempos da Ditadura Militar (1964-1985). Apesar de um nome que remete a publicações religiosas, Gonçalo Júnior descarta que Alcides tenha se inspirado nos tijuana bibles americanos, também publicados num formato pequeno, esses quadrinhos apresentavam paródias eróticas com personagens famosos da cultura pop (antecedendo tanto as dos doujinshis japoneses, quanto dos filmes XXX), muitos desses autores não foram identificados. Ironicamente, uma paródia do Tarzan é atribuída a Zéfiro, com elementos dos filmes e emulando o estilo do Russ Manning.


No final da década de 1960, a Edrel de Minami Keizi, lançou revistas como Estórias Adultas, Maria Erótica, O Samurai e outras, com histórias inspirados nos hentais (quadrinhos com sexo explícito), ecchis (quadrinhos eróticos soft) e gekigá (um movimento de quadrinhos adultos iniciado em 1957 por Yoshihiro Tatsumi em 1957), o principal artista foi Claudio Seto, que assim como Minami, trazia influência dos mangás. contundo, mesmo avisando que os quadrinhos eram destinados aos adultos, a Edrel teve problemas com a censura, nos anos 70, Minami fundou a revista Cinema em Close-Up onde divulgou filmes do subgênero pornochanchada da chamada Boca do Lixo. No final dos anos 70, Claudio Seto se tornou editor na Grafipar de Curitiba, onde retomou a publicação da Maria Erótica e publicou diversos quadrinhos adultos, contudo, a editora fecharia em 1982.


Em maio de 2024, a editora Noir de Gonçalo Junior anunciou uma versão em portugês do livro, traduzido por Nobu Chinen, com notas de Jotapê Martins (que também é psiquiatra).


Um vídeo sobre Alexandre Linck sobre os mitos sobre as campanhas anti-quadrinhos









Fontes e referências
O que foi o código de Ética
Raros quadrinhos eróticos americanos dos anos 1930 a 50 ganham caixa de luxo em português




 Fredric Wertham, "As histórias em quadrinhos...´Muito divertido! - Diário de Notícias - 12 de agosto de 1948

Gonçalo Júnior, A Guerra dos Gibis - a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos quadrinhos, 1933-1964, Editora Companhia das Letras, 2004.

Gonçalo Júnior, A Guerra dos Gibis 2: Maria Erótica e o Clamor do Sexo, Peixe Grande, 2010.
Perigo das histórias em quadrinhos - Dorotthy Thompson  - Diário de Notícias (RS) - 21 de julho de 1954













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