Entrevista: Julio Shimamoto
Nascido em 13 de maio de 1939, Julio Shimamoto é dos mais conceituados quadrinistas brasileiros.
Há uns anos, eu iniciei uma pesquisa informal sobre mangás, foi quando vi que alguns textos colocavam o nome do Julio Shimamoto como um dos pioneiros das influências do quadrinho japonês, já que ele começou a fazer histórias de samurais em meados dos anos 50, quase 10 anos antes de Claudio Seto na EDREL, tendo até histórias suas publicadas na revista Desenh & Publique Mangá (que também publicou histórias antigas de Claudio Seto) contudo, ainda em vida, Seto já negava que Shima fosse um artista com essa influência, procurei algumas entrevistas do Shimamoto (cujos trechos, deixarei na postagem).
Ao ler um manual de desenho no estilo mangá de Arthur Garcia menciona um texto publicado num curso anterior, nele, Shimamoto faz uma distinção entre mangá e gekigá, começava ali uma outra busca.
Apesar dessas entrevistas, eu achei que precisaria de respostas mais diretas, mas como conseguir o contato do Shimamoto?
Em 2017, comecei a trocar e-mails, com Edgard Guimarães, editor do fanzine QI, diferente de outras revistas tradicionais, onde depende praticamente da sorte de alguém publicar, nos fanzines a chance é maior e desde então, sou um colaborador informal da publicação. Tal foi a minha surpresa ao perceber que Shimamoto (que é um antigo colaborar do zine), gostou de alguns desses e-mails, então, resolvi mandar uma pergunta via QI, no número 145, com uma resposta no número 146.
Como fiz nas entrevistas com Julio Emilio Braz e Ataíde Braz (não são parentes), eu evito perguntar coisas que já tenham sido respondidas e linkar as anteriores.
Quando o senhor teve contato com os quadrinhos japoneses? Seu nome geralmente aparece como um dos artistas que trouxeram influências dos quadrinhos japoneses, pela origem nipônica, mas em suas entrevistas, havia mais citações a quadrinhos americanos e uma única menção a uma obra japonesa, Lobo Solitário. Li num curso de mangá do Arthur Garcia que existe um texto seu sobre Mangá e Gekigá publicado numa revista da editora Escala, mas não achei a revista.
Eu acabaria encontrando uma página do texto, Edgard Guimarães disponilizou a matéria na edição 162 (março/abril de 2020)
Mangá ou Gekigá?" do Júlio Shimamoto publicada em Como Fazer Passo a Passo nº 5 - Curso Prático de Desenho Mangá (Editora Escala)
.
Quiof - De acordo com Cláudio Seto em entrevista ao Gian Danton, publicada no blog Baú da Grafipar e no site Bigorna, seus trabalhos se aproximaram da narrativa cinematográfica dos mangás na revista “Kiai”. No texto (acima mencionado), citei algumas de suas entrevistas disponíveis na internet, sobretudo as que falam de mangá e gekigá, bem como sua parceria com Minami Keizi em “Lendas de Musashi” e “Lendas de Zatoichi”.
Julio Shimamoto - Caro Quiof, tomei contato esporádico com mangás aos 11 anos de idade, em 1950. Papai os trazia de uma livraria do bairro oriental da Liberdade, centro de Sampa. Como disse Seto, sofri muito influência cinematográfica, sobretudo dos filmes de Akira Kurosawa: “Trono Manchado de Sangue”, “Yojimbo”, “Sanjuro”, “Os 7 Samurais”, “Rashomon”, “A Fortaleza Escondida”, etc. Já o estilo do meu traço vem das HQs americanas. Graças a isso, criei grande reputação como storyboardman de comerciais. Recebi também muitos convites para fazer storyboards de longas-metragens, mas nunca aceitei por demandar centenas de horas de trabalho. Especificamente, os mangás nunca me inspiraram. Os mangás caracterizam-se pelo humor, e olhos enormes caricaturados dos personagens. Denomina-se gekigá as HQs sérias, dramáticas, tipo “Lobo Solitário” ou “Vagabond”.
Em 2022, descobri que o Franscisco Dourado tinha o e-mail do Shimamoto e então pedi pra fazer a ponte, achei que usar mais uma vez o espaço do QI poderia ser abusivo, com o tempo, passei a trocar e-mails constantes com Shimamoto, por vezes algumas perguntas apareciam em conversas, então alguns trechos vieram de conversas e condensei:
Claudio Seto diz que seu estilo se aproximou da narrativa japonesa na Kiai da Grafipar que ele editou, o Gian Danton no livro dele sobre Grafipar diz apesar de não ser assinada, uma história de Kiai nº 2 claramente seria do Seto, em uma entrevista sua, vi citação ao Lobo Solitário, mas lembro de um anúncio da Opera Graphica de um álbum seu que diz que você foi influenciado pelo Hiroshi Hirata (que está saindo pel Pipoca & Nanquim), depois vi seus livros com o Minami, Lendas de Musashi e Lendas de Zatoichi (que também teve quadrinhos pelo Hirata).
O senhor disse que O Gaúcho foi inspirado no Zorro, mas qual Zorro, o capa e espada ou o Lone Ranger?
Falando no Mestre do Kung Fu, teve uma história sua na edição 28 da Bloch, O Órfão (tenho ela no Samurai da Mythos), não foram encomendadas outras histórias de artes marciais? Vi a revista Defesa Pessoal da Escala, seria o Mestre do Kung Fu na capas?
A Múmia Viva (publicada pela Bloch e roteirizada por R.F. Luccheti) lutava que arte marcial?
Lutava misto de karatê e taekuendô, básicamente.
Trechos de entrevistas de Julio Shimamoto e Claudio Seto:
Na infância,quais os personagens de HQ que você mais gostava? Quais os artistas que mais te influenciaram? Super-heróis e cowboys (este último, por eu ser caipira do interiorzão de São Paulo ,próximo ao Mato Grosso.E eu adorava cavalgar.Eu era fissurado nos dinâmicos traços de Syd Shores. Ele desenhou Capitão América nos anos 40 e os cowboys Bill Dinamite e Cavaleiro Negro, nos anos 50.A dinâmica dos meus traços têm DNA do estilo de Syd.
O primeiro contato com quadrinhos foi através da tira Mutt & Jeff, na época, publicada no jornal O Estado de S. Paulo. Certo dia, junto com os jornais que seu pai pegava na comarca mais próxima, todos os fins de semana, vieram três revistas em quadrinhos "com cheirinho agradável de impressão", admite o criador. As três eram da Marvel, uma com o Capitão América e seu parceiro Buck lutando contra soldados nazistas; outra com o Tocha Humana e seu companheiro Centelha jogando bolas de fogo sobre alguns gangsteres; e a última com o Príncipe Namor brigando contra os japoneses. Obviamente, Shimamoto não gostou desta, e resolver criar sua própria revista. Usava papel de embrulho e partes brancas de jornais para criar histórias de soldados japoneses derrubando os americanos. Por três anos, essa foi sua principal forma de diversão. Quando não tinha papel, desenhava em chão de terra, com pedaços de gravetos. Em 1947, ganhou dois almanaques de 300 páginas (O Tico-Tico e Globo Juvenil), enviados por uma prima de Borborema. Isso ajudou a aumentar ainda mais sua paixão pelos quadrinhos. Na escola, acabou conhecendo dois amigos (também nisseis), que eram colecionadores de revistas. Acabou pegando mais de 100 emprestadas e, pela primeira vez, pôde se deliciar com várias histórias. No ano de 1949, voltou para Borborema e foi morar na casa de sua prima. Lá, tinha mais contato com revistas, o que acabou afetando seu desempenho na escola. Sabendo disso, seu pai juntou todas as publicações e as queimou no quintal. Mas isso não diminuiria seu amor pela arte.
Entrevista ao site Universo HQ
Entre 1964 e os anos 80/90 trabalhei intensivamente com publicidade, com algumas incursões no mundo dos quadrinhos para ler gibis autorais como Metal Hurlant, Heavy Metal, Animal, El Vibora, Skorpio. Praticamente não participei do boom dos mangás. Li “Lobo Solitário”, “Kamui” e “Vagabond”, mas esses eram gekigá (estilo dramático).
Entrevista a Ademir Luiz
Teve influência de algum artista conhecido? Qual? Claro, de centenas de artistas americanos: Austin Briggs, Andrew Loomis, Frank Frazzeta, Bob Peak, John Whitcomb, etc
Quem mais influenciou você e te mostrou o caminho das HQs? Vários americanos, Syd Shores, Harold Foster, Alex Toth, Joe Kubert, e os argentinos José Luís Salinas, Alberto Breccia e .José Muñoz.
Entrevista a André Carim no Fanzine Ilustrado n. 2 - Múltiplo
Li muito super-herói e faroeste na infância, até os 11 anos de idade. Depois dessa idade, devido notas escolares baixas, papai rasgava e os queimava no quintal. Dessa idade em diante, até os 13 e 14, fui obrigado a ler jornal, livros juvenis da Editora Melhoramentos, Monteiro Lobato, Karl May, revistas Seleções, Coletânea e Eu Sei Tudo – eram as “Super Interessante” e “Galileu” daqueles anos 50. Detalhe: de quadrinhos, só “Epopéia” da Ed. Ebal estava liberado. Aos 15, já trabalhando, comecei comprar e ler compulsivamente pulp fictions ou pocket books, gêneros phantasy e noir de Ellery Queen, Mickey Spillane, Raymond Chandler, Howard Hunt, revistas policiais Emoção e Contos de Mistério da Ed. La Selva. Aos 17, estreando como desenhista de HQs de terror, li contos góticos de Allan Poe, Hoffmann, Walpole, Hawthorne, para aprender a estrutura narrativa desse gênero. Entre 1964 e os anos 80/90 trabalhei intensivamente com publicidade, com algumas incursões no mundo dos quadrinhos para ler gibis autorais como Métal hurlant, Heavy Metal, Animal, El Vibora, Skorpio. Praticamente não participei do boom dos mangás. Li “Lobo Solitário”, “Kamui” e “Vagabond”, mas esses eram gekigá (estilo dramático).
E a série Vagabond, atualmente publicado pela Conrad, (re)contando graficamente a história de Musashi?
É a mesma coisa, agradou americano, agrada brasileiros. Os desenhos dos quadrinhos de Musashi são muito bonitos. Só não me agrada o nome, por que “Vagabond”? Não tem nada a ver. Devia chamar-se Musashi. Sabe que desde o tempo em que eu produzia a revista O Samurai, nos anos 70, tinha vontade de desenhar a história de Musashi. Cheguei a começar várias vezes, mas nunca dei continuidade porque a história dele é muito comprida e não cabia num só gibi. Se eu soubesse que ia fazer tanto sucesso 30 anos depois, teria feito mesmo com muito sacrifício. Cheguei a fazer um estudo minucioso sobre o ponto de vista do horóscopo oriental, já durante toda sua vida ele, Musashi, mostrou-se tentando dominar os cinco elementos da natureza. Tanto que sua obra final é Gorin no Sho (O Livro dos Cinco Elos). Sobre esse ângulo é interessante o duelo com Sasaki Kojirô, que como ele, era do signo de Macaco. Musashi era do elemento Madeira e Kojiro do elemento Água. Como Kojirô era melhor espadachim que ele, sua estratégia foi a de privar seu adversário do uso da força dos elementos. Por isso chegou de barco ao duelo, e não permitiu que Kojiro corresse para a água (seu elemento). Kojirô era mestre do Fussui (Feng Shui, em chinês), ou seja Vento e Água, ele treinava seu estilo deixando a ponta da espada dentro da água do rio e cortando andorinhas em pleno vôo (elemento vento). Uma vez que Musashi desembarcou do mar isolando-o da água, e com cabelos amarrados de modo estranho, que dava impressão errada da direção do vento, de certa maneira desnorteou Kojirô, o melhor espadachim da época no Japão. Eliminado esses dois elementos, Musashi desembarcou a tarde, deixando o sol (elemento fogo) a suas costas. E venceu a luta porque usou o remo como espada. O remo é do elemento Madeira que é do seu signo de nascimento. Enfim, dos cinco elementos só restou o metal (espada) para Kojiro. Também todos seus duelos tiveram horário e data que favoreciam seu signo (Macaco) em detrimento de seus adversários. Esse tipo de raciocínio, passa quase sempre desapercebido quando no Ocidente traduzem as histórias japonesas.
Entrevista de Claudio Seto à José Carlos Neves
Entrevista de Shimamoto ao Jornal Opção
Leitura adicional
Julio Shimamoto - O Samurai do Traço de Dario Chaves (Criativo, 20121)
Comentários