QI - Quadrinhos Independentes, o lendário fanzine brasileiro de quadrinhos




Já tinha pensado em fazer uma postagem sobre esse fanzine, acabei desistindo, mas voltei a atrás com uma sugestão do Fabiano Alves.





Anteriormente falei um pouco das publicações independentes japonesas, agora falo de uma publicação brasileira que circula há mais de 20 anos.


Um breve histórico dos fanzines


Em 1926, Hugo Gernsback lançou a revista pulp de ficção científica Amazing Stories, nela criou uma sessão de cartas onde os leitores trocavam endereços, surgiram assim os primeiros fã-clubes e com isso os fanzines (uma aglutinação das palavras fan e magazine, revista em inglês), revistas amadoras produzidas por fãs, há uma divergência sobre o primeiro título, alguns apontam o Cosmic Stories (1929) de Jerry Siegel, cocriador do Superman e o The Comet (1930) da Science Correspondence Club, editado por Raymond A. Palmer e Walter Dennis, o termo fanzine foi criado por Russ Chauvene em 1940, nas páginas do seu fanzine Detours.

Siegel, ao lado de Joe Shuster publicou uma versão inicial do Superman em um conto publicado  fanzine "Science Fiction: The Advance Guard of Future Civilization" publicado em 1933.




A primeira versão do Superman, 
publicada no fanzine Science Fiction: The Advance Guard of Future Civilization

Nos anos 40, surgiram os fanzines sobre quadrinhos, logo surgiram fanzines de outros temas, como os sobre música, na década de 1970, com o advento do punk rock, surge um novo termo, o zine, uma corruptela de fanzine, zines não precisam ser necessariamente obras de fãs, mas também revistas publicadas de forma independente.


Em 1973, o psiquiatra  Fredric Wertham, outrora considerado um algoz dos quadrinhos nos anos 40 e 50, publicou  o livro The World of Fanzine, onde concluiu que os fanzines eram um "exercício construtivo e saudável de impulsos criativos".



No Brasil 
No Brasil, o termo fanzine é usado genericamente para revistas independente.

O marco dos fanzines brasileiros é o ano de 1965, assim como nos Estados Unidos, há divergências sobre o primeiro título, com uma diferença de um mês, dois "boletins" foram lançados:


  • O Cobra (Órgão Interno da 1.ª Convenção Brasileira de Ficção Científica) realizada entre 12 e 18 de Setembro de 1965 em São Paulo, lançado pela recém-fundada Associação Brasileira de Ficção Científica.
  • Ficção (Boletim do Intercâmbio Ciência-Ficção Alex Raymond), criado por Edson Rontani e lançado em 12 de outubro de 1965.




Cartaz da I Convenção Brasileira de Ficção Científica, arte de Carlos Edgard Herrero (autoria descoberta por Luigi Rocco em entrevista com o autor em seu blog)


Ainda em 1965, a  Associação Brasileira de Ficção Científica lançaria o Dr. Robô. Os fanzines de quadrinhos eram divulgados nas sessões de cartas das revistas brasileiras, que ainda guardavam as características estabelecidas por Gersnback. 

Segundo o jornalista Gonçalo Junior, as inspirações de Rontani foram duas publicações distintas: 

A revista/fanzine Giff-Wiff do Club des bandes dessinées, que tinha como fundadores o jornalista e crítico literário Francis Lacassin (presidente) e o cineastra Alain Resnais (vice-presidente), Rontani afirmou ter lido em uma matéria de Álvaro de Moya, Moya por sua vez afirmou que teve contato com a informação através de Manoel Carlos (escritor de novelas, diretor, produtor e ator). Contudo, Rontani não teve conhecimento do termo fanzine, somente em 1971, uma fã mandou uma carta descrevendo o Ficção como tal, o mesmo ocorreu com um clube francês com qual se correspondia.

A outra inspiração foi o livro La Historieta Mundial do argentino Enrique Lipszyc, que fundaria no Brasil a Escola Panamericana de Artes.

Para divulgar o fanzine, Rontani procurou endereços de colecionadores e mandou uma carta para a EBAL de Adolfo Aizen, Aizen divulgou em Superman- Bi nº 6, de janeiro/fevereiro de 1966.


Segundo Gonçalo Junior no livro O inventor do fanzine: um perfil de Edson Rontani, o mais próximo dos fanzines foram os boletins de cineclubes:
Até então, o que mais se aproximava disso em português eram os chamados boletins de cineclubes, que existiam no país desde a década de 1940. Mas não eram fanzines no sentido literal do ter mo porque se limitavam a falar das atividades da entidade e da programação de filmes. Existiram, em momentos diversos, pelo menos duas dezenas dessas publicações em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre. 



Na década de 1980 surge fanzines como Somnium do Clube de Leitores de Ficção Científica, Star News, da Sociedade Astronômica Star Trek, de São Paulo, e o Boletim Antares, do Clube de Ficção Científica Antares, surgido do Clube de Astronomia Antares, de Porto Alegre, Quadrix de Worney Almeida de Souza (WAZ), PSIU de Edgard Guimarães, o Clube do Mangá da Abrademi (Associação Brasileira de Mangá e Ilustração), que anteriormente colaborava com o Quadrix, o Clube do Mangá era inspirado nos doujinshis japoneses (equivalentes aos fanzines ocidentais), que estimularam a produção local e falava dos primeiros quadrinhos inspirados em mangás do Brasil nos anos 60 e 70, a associação ainda ministraria cursos de desenhos no estilo mangá. Os fanzines em estilo mangá teriam um boom após 1994, quando a Rede Manchete lançou o anime Os Cavaleiros do Zodíaco, surgem a revista Herói e as revistas como Japan Fury, Animax, produzidas por Sérgio Peixoto, José Roberto Pereira e Orlando Tosetto Jr. da ORCADE (Organização Cultural de Animação e Desenho), Japan Fury era um nome de um fanzine da própria organização e a Heróis do Futuro, com matérias de Cristiane Akune Sato da Abrademi, que citavam os doujinshis japoneses, que em sua maioria eram fanfictions (histórias de fã) e estimulariam os fãs a criarem suas próprias obras, algumas dessas matérias podem ser lidas no site da Abrademi. Alguns dos fanzines divulgados na revista Animax como Hyper Comix de João Vicente Cardoso e Tsunami de Denise Akemi se tornaram revistas de bancas.

Em 1995, Worney lançou o livro 30 anos de Ficção -boletim do  Intercâmbio Ciência Ficção Alex Raymond, que teve colaboração de Edgard Guimarães.




Em 1997, Roberto de Sousa Causo e Edgard Guimarães editam a coleção Biblioteca Essencial da Ficção Científica Brasileira, publicando, dentre outras coisas, Ensaios Internacionais de Ficção Científica Brasileira e o livro Introdução ao Estudo da "Science Fiction" do escritor André Carneiro, publicado pela primeira vez em 1967.

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Edgard também publicou dois contos em antologias de ficção especulativa: Bactéria em Vinte Anos no Hiperespaço (Editora Virgo)  de 2003 e O menino que descrescia de Vinte voltas ao redor do Sol do CLFC (Clube de Leitores de Ficção Científica) de 2005, ambas as antologias comemoravam 20 anos, a primeira do fanzine Hiperespaço e a segunda, do Clube de Leitores de Ficção Científica.

Inspirados na Comiket, evento japonês de doujinshis, foram criadas as feiras Fanzinecon, realizada no evento Animecon e Fanzine Expo, realizado no Anime Friends.

Um outro tipo de publicação independente é o xerocordel, um tipo de literatura de cordel em offset, egundo Izaias Gomes de Assis:

O xerocordel (nome pelo qual são apelidados os folhetos xerocados) na sua maioria são impressos em ¼ de A4, pois esse é o formato de papel mais usado hoje em dia no mercado. Muitos não gostam de ver seus textos publicados dessa forma porque alegam que as xerocópias se apagam com o tempo e desejam ter suas obras perpetuadas por longos tempos.
Fonte: Sete Mitos sobre literatura de cordel

Em 2011, por iniciativa do professor Gazy Andraus, pesquisador e fanzineiro, foi criado o Dia Nacional do Fanzine comemorado no dia 12 de outubro, em homenagem ao lançamento do Ficção de Edson Rontani. Nesse mesmo ano, a UGRA PRESS publicou o primeiro Anuário de fanzines, zines e publicações alternativas.

QI, o fanzine brasileiro

QI (sigla de Quadrinhos Independentes) é um fanzine brasileiro de quadrinhos criado por Edgard Guimarães, publicado bimestralmente desde 1993. Edgard Guimarães já era um fanzineiro (ou faneditor) experiente, publicava desde 1982, ao saber que a AQC (Associação de Quadrinhistas e Caricaturistas do estado de São Paulo), dirigida por Worney Almeida de Souza (WAZ),  faria um catálogo de fanzines brasileiros, Edgard Guimarães formou uma parceria com Worney e a AQC e lançou  Informativo de Quadrinhos Independentes. O fanzine era gratuito, os custos eram cobridos pelas vendas dos fanzines anunciados. Para isso, Edgard adquiriu uma copiadora, o fanzineiro enviava um original e Edgard fazia uma cópia do mesmo para poder revender.


Em  1999, a partir da edição 41, Edgard ampliou o  fanzine, passando a publicar matérias e quadrinhos dele e de colaboradores, dentre eles Worney Almeida de Souza, Luiz Antônio Sampaio,  e Luigi Rocco. Passou a cobrar o preço simbólico de R$ 1,00.

Em 2000, o quadrinista André Diniz cria Editora Nona Arte, cujo site publicava webcomics, logo em seguida, passa a disponibilizar edições do QI.



A partir da edição 101 (fevereiro de 2010), Edgard criou um sistema de assinatura anual.


O fanzine ganhou o Prêmio Angelo Agostini realizado pela AQC  na categorias fanzine e nos anos de 1995, 1996, 1997, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2008.



Edgard ganhou na categoria  Troféu Jayme Cortez (dado a pessoas ou instituições que contribuem pro quadrinho brasileiro) nos anos de 1996 e 2006.

Em 2013, lança um novo site de webcomics, o Muzinga, com isso, o site da Editora Nona Arte vira um redirecionamento desse novo site.



Em 2015, a editora Marca de Fantasia de Henrique Magalhães passa oferecer as edições em pdf do QI, pela editora, Edgard publicou os livros teóricos Fanzine, Algumas leituras de Príncipe Valente, O que é História em Quadrinhos Brasileira e Estudos sobre História em Quadrinhos  e as HQs Calvo, Osvaldo, Mundo Feliz e Ju & Jiga.

Na edição 151, publicada em abril/maio de 2018, Edgard publicou o suplemento Retrospectiva - Edição Comemorativa de 150 números e 25 anos do QI – Quadrinhos Independentes e 36 anos do lançamento de Psiu nº 1, onde conta sua trajetória no fanzinato.

De acordo com o site:
Saindo regularmente há mais de 20 anos, sempre em versão impressa, agora, graças à oferta de Henrique Magalhães e a Marca de Fantasia, o QI passará a ser oferecido em versão digital, em arquivo PDF. A versão impressa continuará sendo publicada, ao custo de R$ 30,00 a assinatura anual, correspondente a 6 edições, quase sempre acompanhadas de encartes e suplementos especiais.


Em 11 de outubro de 2017, é inaugurada a Fanzinoteca do Instituto Federal Fluminense (IFF) em Macaé, Rio de Janeiro. Em 2019, Danielle Barros, Edgar Franco, Gazy Andraus e Alberto de Souza, criam a ANZINE (Associação Nacional de Pesquisa e Criação de Fanzines), cuja sede fica na Fanzinoteca do IFF.



Também em 2019, Edgard decide suspender a assinatura, já que não sabe se conseguirá cumprir as seis edições como nos outros anos, porém, promete tentar manter a publicação. Em maio de 2019, a editora Marca de Fantasia inaugurou uma parte do site para o selo EGO (Edgard Guimarães Organizador).


Em 2020, a Marca de Fantasia lançou a quarta edição do livro Fanzine.

Em janeiro de 2022, a o site do selo EGO disponilizou o primeiro fanzine de Edgard, PSIU.

QI - Quadrinhos Independentes - Marca de Fantasia



                                   Palestra com Edgard Guimarães




Referências e link úteis



Top! Top! 26 - Edgard Guimarães - Marca de Fantasia

Gazy Andraus, Los fanzines de historietas en Brasil y su situación histórico-social de la génesis a la actualidad Revista Latinoamericana de Estudios sobre la Historieta, quarta edição, número 16

Gazy Andraus, O caso QI - Quadrinhos Independentes: um fanzine como imprensa alternativa de resgate cultural

Gazy Andraus, Intercom 2005 - NPHQ 16

Edgard Guimarães e seu QI

Entrevista – Edgard Guimarães - 3º Ugra Zine Fest


FANZINE: A Democratização dos conteúdos !

Henrique Magalhães, Fanzine no mundo

Henrique Magalhães, O rebuliço apaixonante dos fanzines

Henrique Magalhães Pedras no charco: resistência e perspectivas dos fanzines

Roberto de Sousa Causo, Súditos do Fanzinato

Roberto de Sousa Causo, Fandêmonio


Somnium, o fanzine do Clube de Leitores de Ficção Científica

Comic Market - A Maior Feira de Fanzines do Mundo!

Livros sobre Fanzines, Os meus (III) - The World of Fanzines - Autor: Fredric Wertham

Fanlore

Fancyclopedia 3

ZineWiki

Fanzine - Wikipédia em português

Fanzine - Wikipédia em inglês

Zine - Wikipédia em inglês

IFanzine, projeto de extensão do Instituto Federal Fluminense

Anuário disponível para download!

Download gratuito: 2º Anuário de Fanzines, Zines e Publicações Alternativas

Um glossário de zines e independentes para tempos atuais

Fanzine: O que é, e qual a origem da palavra - Geraldes Lino

Fanzines e fanálbuns: definições, polémicas e balanço de 1998

Sítio dos fanzines de banda desenhada - Geraldes Lino

Fanzines de banda desenhada - Geraldes Lino


Os Fanzines e Revistas Alternativas - Gazy Andraus

Fanzine Brasileiro, página mantida por Edson Rontani Jr.

Tutoriais

Denise AkemiComo Fazer Fanzines

Cadu Simões, Como Fazer uma História em Quadrinhos e Entrar no Mercado de HQs

Roberto Guedes O Grande barato de editar um fanzine

Pocketmod

DIY Mini 8 Page Pocket Zine!




Comentários

Unknown disse…
Faltou a turma do Sul, o Mutação, o Tche do Denilson Reis que já tem aí uns 30 anos sendo publicado...
Quiof disse…
Valeu pela lembrança, fica registrado, não quis fazer uma listagem completa, já que são muitos zines, mas um apanhado geral pra contextualizar o QI.