Mickey vai entrar em domínio público em 2024?

 


No começo de julho de 2022, vários veículos brasileiros notíciaram que o Mickey Mouse entrará em domínio público em janeiro de 2024, mais isso se aplica ao Brasil?


Já publiquei dois textos sobre domínio público, um sobre os quadrinhos nos Estados Unidos e outra sobre obras em domínio público no Brasil em 2021.



A lei brasileira e a lei americana são diferentes.

O domínio público é feito por um cálculo, cada país tem a sua conta e só passa a valer no dia 1º de janeiro do ano seguinte ao fim do prazo, tanto que dia do domínio público é comemorado no dia 1º de janeiro. 

O domínio público nos Estados Unidos é 95 anos após a publicação da obra, é um prazo longo, muito por conta do lobby feito por empresas como a própria Disney (sugiro a leitura do livro Cultura Livre de Lawrence Lessig, criado das Licenças Creative Commons).

Como Mickey foi lançado em 1928, quando foram lançados os curtas O Vapor Willie (Steamboat Willie) e Plane Crazy, como o domínio público nos Estados Unidos se refere ao ano de publicação, isso implica que apenas o primeiro visual do personagem, sem as luvas e em preto e branco.



As luvas aparecem pela primeira vez no curta The Opry House de 1929, ou seja, é preciso esperar mais um ano.

Já as cores só surgiram em The Band Concert de 1935, ou seja, a versão em cores só entra em domínio público em 2031.

Curiosamente, o vilão Bafo (Peg Leg Pete) é anterior ao Mickey e já está em domínio público, surgido na série Alice's Comedy em 1925.

Na Wikipédia há uma sessão sobre contestações dos direitos dos curtas clássicos:

Houve várias tentativas de argumentar que certas versões do Mickey Mouse são de fato de domínio público. Na década de 1980, o arquivista George S. Brown tentou recriar e vender células do curta de 1933 "The Mad Doctor", com a teoria de que elas estavam em domínio público porque a Disney não havia renovado os direitos autorais conforme exigido pela lei atual. No entanto, a Disney processou Brown com sucesso para impedir tal venda, argumentando que o lapso de direitos autorais de "The Mad Doctor" não colocou Mickey Mouse em domínio público por causa dos direitos autorais dos filmes anteriores. Brown tentou apelar, observando imperfeições nas reivindicações anteriores de direitos autorais, mas o tribunal rejeitou seu argumento como inoportuno. Em 1999, Lauren Vanpelt, estudante de direito da Arizona State University, escreveu um artigo com um argumento semelhante. Vanpelt ressalta que a lei de direitos autorais na época exigia um aviso de direitos autorais especificando o ano do direito autoral e o nome do proprietário dos direitos autorais. Os cartões de título dos primeiros filmes do Mickey Mouse "Steamboat Willie", "Plane Crazy" e "Gallopin' Gaucho" não identificam claramente o proprietário dos direitos autorais e também identificam incorretamente o ano dos direitos autorais. No entanto, Vanpelt observa que os cartões de direitos autorais em outros filmes anteriores podem ter sido feitos corretamente, o que poderia tornar o Mickey Mouse "protegido como parte componente dos filmes maiores com direitos autorais". Um artigo de 2003 de Douglas A. Hedenkamp no Virginia Sports and Entertainment Law Journal analisou os argumentos de Vanpelt e concluiu que é provável que ela esteja correta. Hedenkamp forneceu argumentos adicionais e identificou alguns erros no artigo de Vanpelt, mas ainda descobriu que, devido a imperfeições no aviso de direitos autorais nos cartões de título, Walt Disney perdeu seus direitos autorais em Mickey Mouse. Ele concluiu: "O confisco ocorreu no momento da publicação, e a lei da época era clara: a publicação sem o devido aviso perdeu irrevogavelmente a proteção de direitos autorais". A Disney ameaçou processar Hedenkamp por calúnia de título, mas não seguiu. As alegações nos artigos de Vanpelt e Hedenkamp não foram testadas no tribunal.

A Disney tem marcas registradas, impedindo o nome Mickey Mouse em diversos produtos, ou seja, um livro, revista ou curta não pode usar o título Mickey Mouse. A marca registrada não tem o prazo como os direitos autorais (na prática, copyright, direito de cópia).

Muitos acreditavam que a Disney poderia tentar um novo lobby para estender mais o prazo, mas até o momento, nenhum movimento foi feito nesse sentido.

Em maio de 2022, o senador republicano Josh Hawley apresentou um projeto de lei limitando os direitos autorais a 56 anos e tendo efeito retroativo, contudo, analistas acreditam essa lei difilmente vai passar, há políticos republicados e democratas como os senadores Patrick Leahy (democrata), que preside o subcomitê do Judiciário do Senado sobre propriedade intelectual e Thom Tillis  são bem conceituados pela industria do entretenimento no combate à pirataria e em defesa dos direitos autorais.

No Brasil, obras entram em domínio público após setenta anos da morte do autor, o domínio público passa a valer no dia 1º de janeiro do ano seguinte aos setenta anos. 

Segundo a lei brasileira:


Art. 2º Os estrangeiros domiciliados no exterior gozarão da proteção assegurada nos acordos, convenções e tratados em vigor no Brasil. Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil. 

Os criadores do Mickey morreram em datas diferentes: Walt Disney morreu em 1966 e Ub Iwerks em 1971.


Contudo, como Mickey surgiu como um curta de animação lançado nos cinemas, é possível que outro artigo se aplique:

Art. 44. O prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre obras audiovisuais e fotográficas será de setenta anos, a contar de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de sua divulgação. 

Art. 96. É de setenta anos o prazo de proteção aos direitos conexos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente à fixação, para os fonogramas; à transmissão, para as emissões das empresas de radiodifusão; e à execução e representação pública, para os demais casos.


Na prática, esse prazo já acabou, estando valendo desde 1º de janeiro de 1999. A lei não é clara se isso se aplicaria a obras derivadas, é muito comum encontrar fitas VHS e DVDs de filmes e animações que já estariam em domínio público, um caso famoso é da série de curtas do Superman pelo Fleischer Studios. A Disney também fez registros de marcas no Brasil.

Disney e Iwerks fizeram uma tira do jornal do Mickey em 1930, pela lei brasileira, elas só estariam em domínio público em 2042, ou seja, setenta anos após a morte de Ub Iwerks.

Esse também o argumento de Maurício Brum Esteves, especialista em propriedade intelectual



 Na Europa, onde as leis se assemelham a brasileira, personagens como Popeye, criado por Elzie Crisler Segar (19894-1938), Conan, o bárbaro, criado por Robert E. Howard (1906-1936) e Tarzan, criado por Edgar Rice Burroughs (1875-1950) não só encontram em domínio público, como ganharam quadrinhos por autores locais sem precisar pagar direitos autorais aos detentores dos direitos. A União Europeia é bem menos influenciável, quando a Zorro Productions tentou registrar o nome Zorro como marca, ela teve seu registro negado, Zorro entra em domínio público na Europa e no Brasil em 2029, seu criador, Johnston McCulley morreu em 1958. 


Em 2024, muitos projetos foram anunciados e lançados, contudo, o mais interessante é a webcomic Mousetrapped de R. K. Milholland, ironicamente, o atual resposável pela tira do Popeye da King Features, personagem que entra em domínio público justamernte no ano seguinte.
Primeira página de Mousetrapped




Fontes e referências













Có Crivelli, Ivana (2007).  Direitos autorais na obra cinematográfica - delineamento da autoria e da titularidade de exploração comercial da obra audiovisual no universo contratual. Letras Jurídicas. ISBN 978-85-8991726-1

Comentários