O Homem do Amanhã e Os Meninos de Ontem
Inspirado em postagens dos blogs Prata e Bronze, O Silêncio dos Carneiros, Mushi-San e Legal Zine, o texto a seguir foi extraído de duas revistas da Editora Abril, usando os sites online de OCR, com pequenas alterações.
Texto adaptado do artigo The Man of Tomorrow and the Boys of Yesterday, escrito por Dennis Dooley e publicado no livro Superman at Fifty - The Persistence of a Legend (Diane Pub Co, 1987), publicado no Brasil pela Editora Abril em Super-Homem 2ª Série #24 e 25 (outubro/novembro de 1998), tradutor não creditado.
Jerry Siegel e Joe Shuster, os criadores do Superman
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A década de 30 foi a época de Flash Gordon nos quadrinhos, de King Kong
nos cinemas, de Charles Lindbergh, do jazz, da ascensão nazista, do presidente Franklin Delano Roosevelt, mas, sobretudo, da Grande Depressão - uma configuração de pessoas e
eventos que talhou as mentes de dois jovens de Cleveland, Jerome
(originalmente, Jacob) Siegel e Joe Shuster. Ao contrário de alguns de seus
colegas, esses rapazes não tiravam notas excelentes, não se destacavam nos esportes
e, o pior de tudo, não tinham ambições que seus pais pudessem se orgulhar e
comentar com os amigos. Na verdade, eles se consideravam artistas - homens com
imaginação original. É verdade que Siegel não era um Dostoievski e Shuster
certamente estava longe de ser outro Da Vinci, mas, quando deixaram o colégio
em 1934, os dois haviam criado o personagem mais interessante desde Huckleberry
Finn: o Superman. Todos conhecem a história do Homem de Aço original, o bebê
que foi colocado por seus pais em um pequeno foguete às vésperas da destruição
do planeta Krypton e enviado para a Terra. Todo mundo sabe como a criança
indefesa foi encontrada em um milharal pelo casal Kent, que a criou como se
fosse o próprio filho, e os poderes milagrosos que o jovem veio a descobrir que
possuía força descomunal, visão de raios x, capacidade de voar, poderes
que jurou usar pelo bem da humanidade e em defesa dos oprimidos. Também é de
conhecimento geral que, para cumprir essa promessa, ele ocultou sua verdadeira
identidade sob a timidez de Clark Kent, o repórter que desaparece, dando lugar
ao herói de uniforme azul e vermelho sempre que um representante do mal ameaça
os inocentes. O que poucos conhecem é a história completa de como tudo começou
em meados da década de 30. Mas como, mais de meio século depois, alguém pode
reconstituir o embrião que deu origem a uma ideia? Os anos que se seguiram à
quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, os corredores barulhentos da velha
escola Glenville High School, de Cleveland, os filmes que passavam nos cinemas
locais, os livros, as conversas e reuniões entre os amigos estão tão extintos
quanto o planeta Krypton. No entanto, ao voltar, mais de meio século depois, ao
local onde tudo aconteceu e trabalhar como detetive, foi possível encontrar pedaços
de um verão esquecido, alguns sobreviventes, restos de memórias que podem
montar um grande quebra-cabeça. A imagem obtida é extraordinária.
A velha Glenville High School, na rua Parkwood, entre as avenidas St.Clair e Superior, em Cleveland, foi rebatizada como Franklin Delano Roosevelt Junior High em 1964, mas o quartinho onde os estudantes faziam o jornal The Glenville Torch, de 1931 a 1934, ainda está lá. Se você abrisse a porta daquela sala em qualquer dia da semana, em 1932, toparia com pessoas incríveis reunidas na redação do jornalzinho. Entre elas, um rapaz chamado Jerome Siegel, talvez o mais ativo de todos. Ele e seu colega Wilson Hirschfeld, o jovem sério e silencioso que, às vezes, se sentava despercebido na sala, viviam do outro lado da rua 105 leste. Passavam muito tempo juntos e ninguém sabe do que falavam. Ambos eram quietos, mas a semelhança parava por aí. Hirschfeld era sóbrio e incansável. Siegel era um paradoxo. Tímido, envergonhado, magro, nada atlético e usando óculos que escorregavam pelo nariz, vivia quase sempre mergulhado num mundo imaginativo, cheio de aventuras espetaculares e feitos ousados. Siegel tinha uma alma de D'Artagnan aprisionada no corpo de um garoto subnutrido. Sonhava acordado na escola e, depois das aulas, trabalhava como entregador em uma gráfica, onde recebia quatro dólares por semana e ajudava a família a passar pelos tempos difíceis em que vivia o país. Todos os dias aguardava ansioso o momento em que podia ficar sozinho em seu quarto, quando tentava saciar o apetite por histórias fantásticas lendo pilhas de romances de detetive e de aventura assinados por gente como Edgar Rice Burroughs e H.G.Wells, sem falar nas tiras de Buck Rogers.
A arte foi usada como capa de Siegel and Shuster: Dateline 1930s nº 2, publicada em 1984 pela Eclise, a revsta publicou pela primeira vez, protótipos de séries que a dupla criou.
A primeira versão do Superman,
publicada num fanzine |
Um ano depois de se conhecerem, Siegel publicou o primeiro fanzine de ficção cientifica do mundo.[1] uma obra mimeografada intitulada Cosmic Stories. que continha muitas historias escritas por ele mesmo sob o pseudônimo de Hugh Langley. Embora o fanzine fosse considerado um lixo por seu professor de inglês, Siegel conseguiu convencer Shuster a colaborar em um projeto ainda mais ambicioso. Embora não tenha atingido os “milhares de assinantes" almejados por seu editor. Cosmic Stories ganhou espaço nos anais da cultura popular por uma historia que apareceu em sua terceira edição (janeiro de 1933).
The Reign of the Superman, publicada por Siegel sob o pseudônimo de Herbert S. Fine (segundo o autor, “uma combinação do nome de um primo com o sobrenome de solteira da minha mãe") e ilustrada por Shuster, apresentava um vilão careca e de jaqueta determinado a dominar o universo. Alguns meses depois. Siegel considerou o conceito bom demais para ser desperdiçado com um vilão e fez Shuster desenhar uma historia em quadrinhos completa com o personagem agora transformado em herói. A capa da revista, jamais publicada, mostrava um homem forte com roupa apertada e camiseta.
A segunda versão do Superman,
planejada para uma história em quadrinhos que jamais foi publicada
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Ele nunca estava satisfeito e, quando não conseguia comprar mais livros e revistas, relia as mesmas histórias várias vezes, ampliando as tramas em sua mente. Na escuridão do quarto, fundia sua personalidade com as de Doc Savage, Tarzan e Pimpinela Escarlate. Constantemente chegava atrasado para a primeira aula do dia, e andava na ponta dos pés até a carteira enquanto o professor incomodado o observava. Tinha a camisa para fora da calça e o pijama era visível sob as barras, antecedendo o hábito excêntrico de Clark Kent usar o uniforme do Superman por baixo das roupas para ganhar tempo nas emergências. O jovem Siegel pensava em cataclismos, confrontos apocalípticos e guerras intergalácticas entre as forças do bem e do mal. Se sua imaginação criativa se ancorava em parte nas histórias de detetive, também tinha fortes raízes na exótica dimensão da ficção científica. Foi assim que, na edição do Torch de 6 de outubro de 1932, anunciava-se, com a familiar enxurrada de pronomes e adjetivos, a publicação de um novo fanzine chamado Science Fiction: The Advanced Guard of Future Civilization, por J. Siegel, proprietário, editor, secretário, tesoureiro e office boy , e que anunciava "histórias de ação neste e em outros mundos". O trabalho de "vários glenvillenses proeminentes", escrevendo sob pseudônimos, aparece em suas páginas. Entre os ilustradores, encontramos Bernard Schmitke, cartunista do Torch, e um certo Joe Shuster. Em contraste ao jovem desinteressante dos corredores do Glenville High, o Jerry Siegel das páginas do Torch é pura ambição e energia, um incansável e surpreendente editor. Seu primeiro trabalho literário, publicado num suplemento do jornal (em 14 de janeiro de 1932), foi o conto policial Cinco Homens e Um Cadáver. Mas a sua criação mais popular, de longe, era uma paródia de Tarzan chamada Goober, o Poderoso. Esse personagem fascinava Siegel, que parece ter sido um jovem mais preocupado com heróis superpoderosos do que os demais rapazes da sua idade. Posteriormente, na década de 40, Siegel contou a um repórter do jornal Saturday Evening Post que a história do Superman foi concebida em uma noite quente de verão de 1934. Segundo ele, a ideia surgiu de repente em sua mente, não o deixando mais dormir.
Nessa noite, ele enxergou a figura do repórter Kent, datilografando freneticamente na máquina de escrever e narrando as incríveis aventuras de seu alter-ego, vestido de azul e capa vermelha, torcendo trilhos de trem com facilidade, nocauteando gangsteres e resgatando a amada Lois Lane. Um herói capaz de fazer tudo o que ele sempre sonhou, admirado pelas mulheres e invejado pelos homens. A fantasia máxima, que borbulhou por anos em sua mente, mas que ele jamais admitiu possuir por medo do ridículo. "De repente, criei um personagem que era a mistura de Sansão, Hércules e todos os homens fortes de que tinha ouvido falar. E muito mais", declarou Siegel ao Saturday. As origens extraterrestres do Superman estimularam a imaginação de Siegel com nova intensidade: não havia limites para os poderes diferentes de seu herói — pele invulnerável, voo (embora. nos primeiros anos, o herói só pudesse saltar sobre os prédios). habilidade para enxergar a Longa distância e, talvez. o maior sonho de todo adolescente. poder ver através das coisas.
Foi uma manhã maravilhosa. Antes mesmo do sol nascer. Siegel correu para a casa de seu amigo e colaborador Joe Shuster para lhe contar sobre a nova ideia. Shuster deveria se encarregar dos desenhos. Faltavam alguns acenos, mas ambos sabiam que, finalmente, tinham a ideia que os tornaria famosos. O que eles não sabiam, naquela manha de 1934, é que levariam mais quatro anos para convencer um editor a publicar sua criação.
Siegel e Shuster, então, já se conheciam ha três anos. A família de Shuster havia se mudado do Canadá para Cleveland quando o rapaz tinha dez anos, e ele já havia publicado seus primeiros desenhos no jornal do Alexander Hamilton Junior High School, The Federalist.
Quando a família de Shuster se mu dou novamente, desta vez para um apartamento na esquina da avenida Kimberly com a rua 106 leste. na área de Glenville, o editor do The Federalist pediu que ele procurasse seu primo, Jerry Siegel, no Glenville High. Siegel e Shuster se deram tau bem que pareciam irmãos. Ambos usavam óculos. eram tímidos diante das garotas e consumiam insaciavelmente tiras de jornal e ficção cientifica, especialmente Flash Gordon e o clássico surrealista Little Nemo, Shuster. cuja família passou maus bocados devido a Depressão, era forçado a desenharem papeis de embrulho e nos espaços em branco dos jornais.
O primeiro desenho dele visto por Siegel estava nas costas de um calendário. Segundo ele, tratava-se de “uma bela cena com espaçonaves. foguetes e arranha-céus futuristas".
Só após um ano, na famosa noite de 1934, é que a visão do Superman como o conhecemos – cor, capa e uniforme, origem alienígena e dupla identidade surgiu no cérebro de Siegel. Assim nasceu um dos mais famosos triângulos amorosos da literatura americana.
Clark Kent e Lois Lane são simplesmente fruto da imaginação de Siegel ou tratam-se de versões disfarçadas de pessoas que o roteirista conhecia, como era seu habito ao criar personagens para as historias publicadas no The Torch? Uma vez mais, o passado nos oferece pistas.
Um dos primeiros esboços de Lois Lane criado por Joe Shuster
Um rumor persistente (e muito, por sinal, para durar mais de meio século) é de que havia mesmo uma garota chamada Lois, na qual Siegel se baseou para criar a namorada do Superman Tudo indica que alguns aspectos da personagem foram tirados de duas repórteres ligadas ao jornal estudantil, mas quem era Lois?
Não havia ninguém com esse nome no expediente da publicação naquela época. Ainda assim, o nome Lois costumava aparecer nas paginas do The Torch, sempre em contos de Siegel. Quem ele estava evocando? Seria Lois Long, que cantava no coral e se graduou em 1933? Ou Lois Ingram, uma talentosa estudante de elite que se formou em 1932? Ou ainda Lois Peoples, da turma de 1931, da qual se conhece uma foto?
Pesquisando um pouco mais, descobre-se uma Lois Donaldson, que havia sido editora associada do The Torch em 1928 (teria Siegel a conhecido por intermédio da irmã mais velha de Wilson Hirschfeld. Mary, que também trabalhou no jornal naquela época). Curiosamente, em 1928, havia uma revisora no jornal com o nome de Maxine Kent. mas as referências mais intrigantes envolvem uma certa Lois A. De acordo com Siegel, tratava-se de Lois Amster, uma garota muito bonita e inteligente do tipo independente que incomodava seus colegas ao sair com rapazes mais velhos. Ela parece ter sido o tipo de moça que faz os colegiais sonharem acordados.
Essa pista quanto à identidade da Lois original foi depois confirmada em uma entrevista pouco conhecida de Siegel e Shuster para o jornal Star. “Lois Lane foi inspirada em Lois Amster, uma garota de Cleveland", declararam eles. Mas o artigo também continha uma surpresa inesperada. Dizia que Shuster “tivera uma queda" por ela. “Hoje, Lois Amster é avó em Cleveland", filosofou um Shuster maduro, “mas acho que ela não tem ideia de que serviu de modelo para Lois Lane". Mas, então, quem era Kent?
Assim como Lois Lane, Clark Kent parece ter sido fruto da composição das personalidades e aparências físicas de duas ou mais pessoas. O nome Clark, por exemplo, não é difícil de rastrear. Ele surgiu como piada para os leitores, numa referência a Clark Gable, o grande astro de cinema da década de 30. Posteriormente, Jerry Siegel confirmou esse fato, e acrescentou que o sobrenome Kent foi emprestado de outro ator da época, Kent Taylor. Já o nome da cidade de Metropolis veio do filme clássico de Fritz Lang, de 1927, sobre uma cidade do futuro. Também existem rumores de que o tímido colega de Siegel, Wilson Hirschfeld, teria servido de modelo para Kent, o próprio Hirschfeld chegou a admitir e depois a negar isso. Repórter e editor do Plain Dealer, de Cleveland, após o colegial, Hirschfield foi a imagem perfeita do alter-ego do Homem de Aço. Fisicamente, Kent também tem um pouco de outro astro famoso das telas: o comediante Harold Lloyd. Numa entrevista dada em 1983, porém, Siegel declarou que Clark Kent havia sido inspirado tanto nele mesmo quanto em Joe Shuster. "Quando estava no colegial", disse Siegel, "eu achava que um dia seria repórter, e era apaixonado por várias garotas atraentes que nem sabiam que eu existia. Chegava a imaginar como seria se eu tivesse alguma habilidade especial, como pular sobre prédios ou arremessar carros por aí. E Joe era idêntico a mim". "De fato, eu era bastante tímido, usava óculos e ficava envergonhado na frente das mulheres", concordou Shuster. Mas, se os dois também foram modelos para o pobre Kent, Superman teria sido inspirado em... Douglas Fairbanks Sr., o lendário ídolo do cinema mudo. Pelo menos na aparência física. Quando jovens, Siegel e Shuster eram viciados em filmes, e as aventuras de Fairbanks eram suas preferidas: "Ele fez A Marca do Zorro, Robin Hood e um filme maravilhoso chamado O Pirata Negro, lembro que adorava esses três", revelou Shuster anos depois. "Fairbanks tinha uma pose que eu sempre usava para o Superman. Você pode vê-la em muitos de seus papéis, inclusive no de Robin Hood, ele costumava ficar com as mãos fechadas na cintura e o peito estufado, rindo, como se não estivesse levando nada a sério."
Um rumor persistente (e muito, por sinal, para durar mais de meio século) é de que havia mesmo uma garota chamada Lois, na qual Siegel se baseou para criar a namorada do Superman Tudo indica que alguns aspectos da personagem foram tirados de duas repórteres ligadas ao jornal estudantil, mas quem era Lois?
Não havia ninguém com esse nome no expediente da publicação naquela época. Ainda assim, o nome Lois costumava aparecer nas paginas do The Torch, sempre em contos de Siegel. Quem ele estava evocando? Seria Lois Long, que cantava no coral e se graduou em 1933? Ou Lois Ingram, uma talentosa estudante de elite que se formou em 1932? Ou ainda Lois Peoples, da turma de 1931, da qual se conhece uma foto?
Pesquisando um pouco mais, descobre-se uma Lois Donaldson, que havia sido editora associada do The Torch em 1928 (teria Siegel a conhecido por intermédio da irmã mais velha de Wilson Hirschfeld. Mary, que também trabalhou no jornal naquela época). Curiosamente, em 1928, havia uma revisora no jornal com o nome de Maxine Kent. mas as referências mais intrigantes envolvem uma certa Lois A. De acordo com Siegel, tratava-se de Lois Amster, uma garota muito bonita e inteligente do tipo independente que incomodava seus colegas ao sair com rapazes mais velhos. Ela parece ter sido o tipo de moça que faz os colegiais sonharem acordados.
Essa pista quanto à identidade da Lois original foi depois confirmada em uma entrevista pouco conhecida de Siegel e Shuster para o jornal Star. “Lois Lane foi inspirada em Lois Amster, uma garota de Cleveland", declararam eles. Mas o artigo também continha uma surpresa inesperada. Dizia que Shuster “tivera uma queda" por ela. “Hoje, Lois Amster é avó em Cleveland", filosofou um Shuster maduro, “mas acho que ela não tem ideia de que serviu de modelo para Lois Lane". Mas, então, quem era Kent?
Assim como Lois Lane, Clark Kent parece ter sido fruto da composição das personalidades e aparências físicas de duas ou mais pessoas. O nome Clark, por exemplo, não é difícil de rastrear. Ele surgiu como piada para os leitores, numa referência a Clark Gable, o grande astro de cinema da década de 30. Posteriormente, Jerry Siegel confirmou esse fato, e acrescentou que o sobrenome Kent foi emprestado de outro ator da época, Kent Taylor. Já o nome da cidade de Metropolis veio do filme clássico de Fritz Lang, de 1927, sobre uma cidade do futuro. Também existem rumores de que o tímido colega de Siegel, Wilson Hirschfeld, teria servido de modelo para Kent, o próprio Hirschfeld chegou a admitir e depois a negar isso. Repórter e editor do Plain Dealer, de Cleveland, após o colegial, Hirschfield foi a imagem perfeita do alter-ego do Homem de Aço. Fisicamente, Kent também tem um pouco de outro astro famoso das telas: o comediante Harold Lloyd. Numa entrevista dada em 1983, porém, Siegel declarou que Clark Kent havia sido inspirado tanto nele mesmo quanto em Joe Shuster. "Quando estava no colegial", disse Siegel, "eu achava que um dia seria repórter, e era apaixonado por várias garotas atraentes que nem sabiam que eu existia. Chegava a imaginar como seria se eu tivesse alguma habilidade especial, como pular sobre prédios ou arremessar carros por aí. E Joe era idêntico a mim". "De fato, eu era bastante tímido, usava óculos e ficava envergonhado na frente das mulheres", concordou Shuster. Mas, se os dois também foram modelos para o pobre Kent, Superman teria sido inspirado em... Douglas Fairbanks Sr., o lendário ídolo do cinema mudo. Pelo menos na aparência física. Quando jovens, Siegel e Shuster eram viciados em filmes, e as aventuras de Fairbanks eram suas preferidas: "Ele fez A Marca do Zorro, Robin Hood e um filme maravilhoso chamado O Pirata Negro, lembro que adorava esses três", revelou Shuster anos depois. "Fairbanks tinha uma pose que eu sempre usava para o Superman. Você pode vê-la em muitos de seus papéis, inclusive no de Robin Hood, ele costumava ficar com as mãos fechadas na cintura e o peito estufado, rindo, como se não estivesse levando nada a sério."
Douglas Fairbanks Sr.,
o astro do cinema mudo que serviu de modelo para o Superman |
Mas era 1934, e o mundo não estava pronto para o Superman. Ou, pelo menos, os executivos que controlavam a indústria dos quadrinhos na época. "É absurdo demais", diziam. "Ridículo", disse quatro anos depois Harry Donenfeld, editor da revista Action Comics, quando viu a capa da primeira história do herói - a famosa cena onde um homem fantasiado levanta um carro sobre a cabeça enquanto gângsteres saem correndo, assustados. Nesse meio tempo, Siegel e Shuster apresentaram sua criação para todos os jornas da época, e receberam respostas similares. Os dois conseguiram, no entanto, vender outras tiras, como as aventuras bizarras do Dr.Oculto, um detetive fantasma dedicado a combater o mal sobrenatural, uma tira cômica sobre um nerd de sangue azul chamado Reggie van worp, e as histórias de um Sansão moderno batizado de Slam Bradley, muito semelhante ao Homem de Aço. Não que o conceito de homens fortes em roupas apertadas e usando capas fosse estranho para os quadrinhos. Os próprios Siegel e Shuster cresceram lendo as aventuras de Buck Rogers e Flash Gordon, mas elas se passavam num futuro distante ou em planetas longínquos. A Era de inovação dos dois criadores - ironicamente considerada exótica demais para seus contemporâneos - foi colocar um herói extraterrestre vivendo aventuras no presente e em cenários realistas. outros personagens de ficção também dividiam seu tempo entre combater o crime e o viver uma vida comum, como o Zorro e o Pimpinela Escarlate. Mas, nesses, a verdadeira identidade era a da, pessoa real e a do vigilante, uma fantasia. No caso do Superman, é exatamente o contrário: o herói é que é a identidade verdadeira e Clark Kent, o disfarce. Finalmente, em junho de 1938, chegava às bancas o primeiro número de Action Comics, trazendo a estreia do Supeman. O sucesso foi estrondoso. Rapidamente, a revista vendia cerca de meio milhão de exemplares por mês. A juventude americana queria mais e mais aventuras do novo personagem. Assim, em 1939, ele ganhou seu próprio título, que logo alcançou a um milhão e 250 mil exemplares. No ano seguinte, 1940, o herói estreou em um seriado radiofônico de 15 minutos na Mutual Radio Network. O programa ia ao ar três vezes por semana e tinha o patrocínio da Kellogg's.
Entre 1941 e 1943, o Fleischer Studios e o Famous Studios produziram uma série de 17 desenhos animados para a Paramount. E, em 1942, a editora Random House publicou um romance baseado no personagem e escrito por George Lowther. Mas, se o Superman invadiu rapidamente outros meios de comunicação, também gerou todo um novo gênero de gibis concorrentes, ansiosos para abocanhar uma fatia do novo mercado. Já em 1942 havia mais de uma dúzia de super-heróis, todos inspirados no Homem de Aço. Entre eles, podemos destacar Flash, Tocha Humana, Homem-Hora, Starman, Gavião Negro, Homem-Borracha, Mulher-Maravilha, Wonder Man, Capitão Marvel, Capitão América, Sr. Destino, Airwave, Green Mask e Lanterna Verde. Sempre super-patriota, o Superman se juntou ao esforço de guerra ao lado de personagens como Joe Palooka e Terry, enquanto Charlie Chan e Dick Tracy enfrentavam espiões e sabotadores no território americano. O personagem de Siegel e Shuster bateu tanto nos nazistas que levou Joseph Goebbels, o ministro da propaganda alemã, a denunciá-lo como uma ameaça judaica.
Na verdade, Jerry Siegel havia aproveitado o nome, senão o espírito, do Übermensch de Frederich Nietzsche - a materialização da doutrina de que a força da vontade é o que move o indivíduo e a sociedade - e esfregado no nariz de Hitler. Siegel, que chegou a servir o exército americano durante a guerra, estava adorando tudo isso. O que o aguardava em sua volta aos Estados Unidos, porém, não foi tão agradável. Ele e Shuster ficaram irritados com todas as imitações do Superman que surgiram no começo dos anos 40. A própria National Periodicals, editora de Action Comics, estava publicando as aventuras de um novo herói chamado Superboy, uma versão adolescente do Homem de Aço. Em 1947, cansado de ver outras pessoas ganhando milhões às custas de seu personagem enquanto seus próprios salários diminuíam, Siegel e Shuster foram à Justiça para tentar recuperar os direitos sobre a criação, cancelar os contratos com Donenfeld e obter 5 milhões de dólares em indenização, a quantia que calculavam ter perdido. Eles conseguiram uma compensação de cem mil dólares por Superboy, mas o tribunal não lhes devolveu os direitos sobre o Superman. O editor Harry Donenfeld apenas concordou que fizessem uma tira diária para a distribuidora McClure Newspaper Syndicate recebendo uma porcentagem da renda, desde que trabalhassem exclusivamente para ele pelos dez anos seguintes recebendo 35 dólares por página. Quando Siegel reclamou, o editor lembrou que ainda detinha os direitos sobre o Homem de Aço. Siegel e Shuster não tiveram outra escolha a não ser aceitar a proposta. A vitória nos tribunais, porém, durou pouco. No ano seguinte, o contrato com Donenfeld expirou e os dois foram demitidos. Essa decisão cruel talvez tenha sido minimizada por um evento inesperado. Durante uma festa a fantasia em que compareceram durante o período do litígio, Siegel encontrou uma garota que não via há tempos chamada Joanne Carter. Ela estava fantasiada como uma personagem de quadrinhos famosa na época, Dixie Dugan, mas sua verdadeira identidade era bem conhecida por Siegel.
Anos antes, Joanne havia respondido a um anúncio do jornal Plain Dealer, que pedia uma modelo. O responsável pelo anúncio era Joe Shuster. Os rascunhos que ele fez inspirado em Joanne foram a base da personagem Lois Lane. Assim, poucos meses depois, Siegel ela se casaram. Começaram então os longos anos de amargura e frustração, marcados por mais investidas legais e malsucedidas para recuperar os direitos sobre o Homem de Aço. Apesar disso, Siegel foi readmitido no começo da década de 60 pela DC Comics (a National Periodicals havia sido rebatizada segundo sua linha original de gibis, a Detective Comics) como roteirista, por um salário de vinte mil dólares, e Shuster, que já estava praticamente cego na época, por 7.500 dólares, Seus nomes agora não apareciam mais nas histórias do Superman. Depois de outro processo e um desentendimento com a DC em 1963, Siegel foi trabalhar no correio de Cleveland aos cuidados do irmão Bern. Mas os dois nunca deixaram de acreditar que o Homem de Aço era legalmente deles. Em 1975, as notícias de que um filme do Superman, orçado em 20 milhões de dólares, estava sendo feito, levaram Siegel a distribuir um press-release de nove páginas pelo país pedindo o boicote da produção. Temendo a publicidade negativa, a Warner Communications, dona da DC Comics, ofereceu vinte mil dólares por ano para que os dois artistas suspendessem as hostilidades. Além disso, prometeram assistência médica para os dois e suas famílias e garantiram que, em caso de falecimento, cuidariam da esposa de Siegel e do irmão de Shuster. Cansados de lutar por quase meio século, a dupla aceitou a oferta. Um gesto final, que não custou nada à Warner e à DC Comics, pôs fim ao caso: Jerry Siegel e Joe Shuster passaram a ter créditos de criação em cada história do personagem. Uma doce compensação. Hoje, jovens de outra geração correm para casa e leem as mais recentes batalhas do defensor dos oprimidos. A verdade é que o mundo que deu origem ao Homem de Aço já desapareceu, mas, como Krypton, seus pedaços estão espalhados por toda parte.
[1] Há quem diga que o primeiro fanzine foi The Comet do Science Correspondence Club de Chicago, lançado em maio de 1930, sabe-se que os fanzines conseguiram espaço de divulgação graças as sessões de cartas da revista pulp Amazing Stories de Hugo Gersback.
Leitura adicional
JONES, Gerard (2006). Homens do Amanhã - geeks, gângsteres e o nascimento dos gibis Conrad Editora
Criação de Superman
As Origens do Super-Homem por John Byrne
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As Origens do Super-Homem por John Byrne
Jerry Siegel, Joe Shuster e o Super-Homem
Nasce o Super-Homem
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